Tropes clássicos dos animes!

Você sabe mais sobre animação do que imaginava.

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Aviso: para melhor aproveitamento deste artigo, não se esqueça de conferir nosso Glossário de Termos!

 

Não é segredo a natureza derivativa dos animes e mangás. É claro que isso vale para qualquer forma de arte – Tolkien não escreveria livros se nunca tivesse lido um. Porém, o que ocorre na cultura otaku é justamente uma ênfase por tudo que também engloba a cultura otaku. Assim, com frequência você descobrirá coisas extremamente familiares em animes e mangás antigos. Coisas que te pareceriam originais caso você apenas acompanhasse as temporadas atuais e ignorasse os clássicos – e também os não-clássicos.

O que quero dizer, e o legítimo propósito deste texto, é o seguinte: caso você perceba qualquer padrão visual ou narrativo em animes ou mangás, por menor que ele seja, certifique-se de assistir ou ler algo levemente mais antigo. Eu garanto, quanto mais você colidir com esse padrão, mais enraizado ele possivelmente estará na indústria. Como exemplos, temos as personagens tsunderes, ou o bom e velho protagonista bundão que se recusa a pilotar o robô gigante, ambos clichês há muito estabelecidos.

Hoje, no entanto, falarei sobre técnicas de animação em si. E sobre os tropes típicos dessa área, que se repetem discreta ou escancaradamente. O leitor perceberá, como eu também percebi, que está mais do que fluente na linguagem visual e simbólica dos animes e mangás.

Agora, sem mais enrolações, vamos aos tropes:

 

Raio de Kutsuna (Kutsuna Lightning)

Em animes, nem sempre um raio terá relação direta com fenômenos meteorológicos. Feixes de luz saem dos punhos e das armas dos nossos personagens favoritos há décadas. É natural: a ideia de eletricidade cruzando o ar é um recurso visual interessante, e pode transmitir tensão, força, perigo, raiva, determinação, etc.

Assim, temos diversas maneiras de se animar raios. Eles podem se comportar como os relâmpagos do mundo real, ou ganharem um ar mais abstrato. Para o animador Kenichi Kutsuna, raios devem ser imprevisíveis, erráticos e, numa escolha estilística, “gordinhos”. Seria essa a palavra? Indico dois trechos de animação, abaixo, que talvez ilustrem melhor o efeito flat dos raios de Kutsuna. Além disso, repare na coreografia dos feixes, que se movimentam quase como os raios de prótons dos Caça-Fantasmas. Kutsuna trabalhou em Naruto, Bleach e Fullmetal Alchemist, e seu estilo influenciou outros animadores em cenas e obras de ação como um todo – como em One Punch Man, também listado abaixo.

 

 


 

Caminhada Ebata (Ebata Walk)

O leitor talvez não leve este parágrafo a sério, mas… você sabia que há um animador cuja especialidade é o famoso “close no bumbum”? Além de icônico, o apreço de Ryouma Ebata por enquadrar personagens femininas se aproximando ou se afastando da câmera pode traduzir a emoção do momento, bem como ressaltar traços psicológicos da moça em questão. É uma escolha de estilo, sem dúvida, e imagino que Ebata não seja o inventor da técnica. Porém, ele é quem melhor utiliza o recurso – e com maior frequência –, e que não deveria ser prontamente reduzido a fanservice pelo espectador.

Não sejamos injustos aqui. Ebata também anima personagens masculinos fazendo sua caminhada característica. E nem todas as mulheres são enquadradas sob o mesmo ângulo. Ou seja, apesar do animador ser sim associado ao close no bumbum, penso que a Ebata Walk seja um recurso indispensável para fazer seu personagem parecer cool: caminhar fora de uma situação com a confiança elevada, ou firmar os passos rumo a um momento decisivo, ou seduzir e subjugar todos ao redor. Fora que as cenas exigem desses personagens uma movimentação corporal complexa e realística.

 

 


 

Soco Hisashi (Hisashi Punch)

Como não poderia faltar, a próxima técnica de animação envolve socos. Personagens de anime costumam ter poderes exagerados, e está mais do que batida a fórmula do “soco da vitória”, ou do “soco da amizade”, ou do “soco para voltar a si” – ou qualquer outro clichê envolvendo punhos e caras deformadas. Diabos, há uma obra inteira dedicada ao homem mais forte do mundo que derrota seus inimigos com apenas um soco. Porém, ainda que esses e outros tropes de battle shōnens se repitam indefinidamente (pra bem ou pra mal), há uma forma bem específica de se representar socos que nunca envelhece.

Me refiro aos socos característicos do animador Hisashi Mori. Conhecido por trabalhos em One Piece e Gurren Lagann, Mori popularizou na indústria as cenas com três momentos-chave: antes do soco, a câmera se fecha no rosto irado e nos dentes cerrados do personagem; o soco em si acontece em câmera lenta, num movimento super arrastado; dado o soco, incontáveis impact frames são utilizados e a vítima, bem como a própria animação, se deformam absurdamente. É comum que a animação de um Hisashi Punch transmita a raiva e a frustração do agressor, sendo bastante crua, em preto-e-branco e com traços fortes a fortíssimos. Atualmente, até mesmo os socos de Hisashi são de certa forma um clichê, mas um que sempre me agrada quando dá as caras.

 

 


 

Sombras Wakame (Wakame Shadows)

Essa técnica talvez seja a mais difícil de explicar com palavras. Primeiro de tudo, as sombras Wakame não são um trope disseminado na indústria, mas um traço muito característico de um único animador – e o cara não se chama “Wakame”. O nome desse animador é Jun Arai, e seu estilo de sombreamento é tão particular que, caso você consiga captá-lo, será difícil não notá-lo quando o avistar outra vez em algum anime de mecha. Inclusive, há quem se incomode com o traço exagerado de Arai na comunidade Sakuga.

Para exemplificar as sombras Wakame, priorizei abaixo imagens estáticas, ao invés de cortes de animação. Penso que, sem movimento, sejam mais compreensíveis as tonalidades diferentes na relação luz/sombra. Arai é detalhista no sombreamento; e consegue trazer algo de realista aos frames, como se fossem uma fotografia, mas também algo de cartunesco e expressivo, como na capa de uma revista do Batman. Eu arriscaria dizer que há um quê de nostalgia nos desenhos de Arai, dos tempos em que animes eram sombreados manualmente e não digitalmente. Por sinal, wakame é o nome de uma alga-marinha comestível. A relação entre ela e o estilo de Arai, até onde pesquisei, permanece nas sombras.

 

 


 

Dragão de Kanada (Kanada Dragon)

Ok. Se você leu até aqui, vou assumir que se interessa por indústria e pela manufatura das animações japonesas. Se for o caso, saiba que este tópico mereceria uma postagem inteira só para ele. Mas como não é essa a abordagem do dia, resumirei o máximo possível a importância e a influência de Yoshinori Kanada – e seus dragões de fogo.

Com trabalhos em toda a fase inicial do Studio Ghibli, Kanada é tido como um dos primeiros animadores autorais da indústria, imprimindo um estilo próprio desde cedo. Foi animador em Galaxy Express 999 (1979), de Leiji Matsumoto, e em Birth (1984), um dos expoentes da era de ouro dos OVAs. Mas foi em Genma Taisen/Harmageddon (1983) que Kanada deixou sua marca: um enorme dragão de chamas, se erguendo de um vulcão, na cena final do filme. A visão é de encher os olhos até hoje, já que o dragão é simples em suas cores e nas formas que assume, porém complexo em sua movimentação, numa época em que tudo era feito à mão. Infelizmente, Yoshinori Kanada faleceu em 2009.

Nas décadas seguintes a Genma Taisen/Harmageddon, Kanada e o dragão foram constantemente copiados e homenageados por gente como Hiroyuki Imaishi (em Microman), Yoh Yoshinari (em Gowcaizer), Yoshimichi Kameda (em Space Dandy), Takashi Kojima (em Sengoku Collection), Jun Arai (em Needless), Toshiyuki Sato (em Magi: The Kingdom of Magic), entre muitos outros. Abaixo, dispus na ordem: o dragão original de Kanada, a versão de Imaishi em Microman, e a versão de Kameda em Space Dandy.

 

 


 

“Brilho” de Kanada (Kanada Light Flare)

Ainda sobre as pirações de Yoshinori Kanada, outro truque interessante do animador é o brilhozinho de lâminas e armas, mechas e armaduras, quando em um close ou momento de clímax. A técnica é sutil, costuma durar um ou dois segundos, mas imediatamente se torna familiar quando observada com calma.

Outra vez, Imaishi e Yoshinari são nítidos admiradores do estilo de Kanada. Aliás, tanto o Gainax quanto o Trigger são estúdios que investem pesadamente em cenas com o “brilho” de Kanada. De cabeça, eu deduzo que absolutamente todos os episódios de Gurren Lagann e Little Witch Academia exibem pelo menos um instante com esse trope característico. Habitualmente, existe até mesmo um efeito sonoro, um “pliiim”, associado a esse brilho com formato de X. Abaixo, o primeiro trecho é de Gurren Lagann; o segundo é de Little Witch Academia, e o light flare é bastante expressivo assim que Akko agarra sua Shiny Rod; por último, peguei uma cena de Free! na qual o brilho vem dos óculos do personagem, para evidenciar que não são somente animes de ação que utilizam a técnica.

 

 


 

Soco Ōbari (Ōbari Punch)

Outro animador clássico, Masami Ōbari foi fortemente influenciado por Yoshinori Kanada, reforçando o levante autoral desses profissionais nos anos 80. Ōbari trabalha principalmente em animes de mecha, e teve alguns cortes memoráveis no recente Gundam Iron-Blooded Orphans – sua terceira série de Gundam, apesar das fontes divergirem.

Seu estilo de animar socos é tão imitado e homenageado que um observador casual poderia dizer que o Ōbari Punch é, hoje, o soco padrão em animes. A técnica é bastante simples: câmera fechada no personagem, que joga o braço para trás do ombro, pegando o maior impulso possível; então, o soco é dado usando o momentum quase do corpo inteiro, com o punho cerrado preenchendo o enquadramento. O próprio soco Hisashi é uma variação, ou complementação, do soco Ōbari. Só pela curiosidade, deixo nesta imagem outro recurso famoso do animador, reproduzido frequentemente em animes: a “pose Ōbari”.

 

 


 

Cubos de Yutapon (Yutapon Cubes)

Essa é uma das minhas técnicas de animação favoritas, e já comentei sobre ela no Estudos sobre a Indústria #04. Os cubos de Yutapon vêm aparecendo em inúmeros animes recentemente, apesar de seu criador, Yutaka Nakamura, utilizá-los em meio a tantos outros truques em seu vasto repertório. Para o animador, desenhar cenas de explosão/destruição é algo bastante complexo. Assim, para agilizar o processo, Nakamura costuma representar cada fragmento da coisa destruída como pequenos cubinhos. Idealmente, os cubinhos eram substituídos por formas mais realísticas após os rascunhos iniciais.

Aí está o pulo do gato: Nakamura, por criatividade ou por mero acaso, passou a manter os cubinhos na arte final. Ele apagou a fronteira que dividia os rascunhos e os quadros limpos, e surgiu com um estilo próprio, esteticamente agradável e facilmente reconhecível. Obras do estúdio Bones – como Soul Eater, Boku no Hero Academia e Mob Psycho 100 – apresentam cenas e mais cenas de ação marcadas por Nakamura e seus cubos de Yutapon. Deixo-as, uma de cada anime, abaixo.

 

 


 

Circo de Itano (Itano Circus)

Por fim, temos mais um trope já antigo na indústria. Proveniente da franquia Macross, e introduzida pelo animador Ichirō Itano, a técnica ficou também conhecida como MMM – “Macross Missile Massacre”. Se o nome te sugere algo épico e intenso, é porque o Itano Circus trata-se justamente disso: um personagem se movendo rapidamente pela tela, perseguido de perto por múltiplos projéteis (sejam mísseis, balas, lasers…). Por ter surgido em Macross, e ter sido reproduzido principalmente em animes de mecha, é evidente que o truque funciona melhor no espaço sideral, onde o personagem pode se movimentar em três dimensões e os projéteis podem repetir a coreografia com exatidão, mantendo o ar de ameaça e tensão.

É interessante pensar no circo de Itano segundo um propósito narrativo – “atirem todos os mísseis” costuma ser um comando desesperado, um ataque final –, mas também segundo um propósito cinematográfico. Afinal, um bando de mísseis em alta velocidade parece algo mais complexo do que realmente é. A animação ganha pontos pelo excesso de informação na tela, e isso ilude o espectador a pensar que o perigo é iminente. Assim, ver o protagonista escapar dos mísseis com habilidade e agilidade torna a cena recompensadora. Fora que o estilo do animador pode ser impresso com perfeição na movimentação dos projéteis e da câmera.

 

 


 

 

E você? Algum trope ou clichê de animação surgiu à mente enquanto lia os que descrevi? Fiz o possível para trazer as técnicas mais memoráveis, mas é claro que há uma infinidade de outras, espalhadas em décadas e décadas de animação japonesa. Sinta-se livre para me recordar das suas preferidas na seção de comentários. E certifique-se de voltar ao Otaku Pós-Moderno e à coluna de Estudos sobre a Indústria. Ittekimasu!

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