O final de CSI e a importância de amar seus personagens

Foto: Divulgação/CBS

CSI: Crime Scene Investigation (2000), popularmente conhecido como CSI Las Vegas ou “o CSI original”, foi um dos maiores fenômenos da televisão norte-americana. A série sobre um grupo de peritos criminais da infame Cidade do Pecado marcou a cultura pop do novo século, colecionou prêmios, spin-offs e produtos derivados, e foi por vezes a mais assistida da programação noturna dos Estados Unidos. A influência não foi menor no resto do mundo, e esse texto é um produto disso: peço licença para falar do desfecho de uma das obras que mais marcou a minha vida como espectador.

Lançada em 2000, CSI durou 15 temporadas e foi encerrada em setembro de 2015, num telefilme especial de duas horas, “CSI: Immortality” (disponível no Amazon Prime Video no Brasil). Depois de anos alternando entre um espectador dedicado (acompanhando cronologicamente as temporadas) e um casual, episódico, resolvi dedicar um tempinho para conferir como a história havia sido fechada. O telefilme, além de um banho de nostalgia com os retornos dos personagens de Gil Grissom (William Petersen), Catherine Willows (Marg Helgenberger) e Jim Brass (Paul Guilfoyle), me trouxe a uma reflexão longe de inédita, mas sempre importante: os personagens são o coração de qualquer narrativa, e jamais podem ser tratados sem o devido cuidado.

Escrever CSI não é uma tarefa fácil. A cada início de temporada, é preciso elaborar por volta de 20 roteiros de mistério que possam ser levados ao espectador de forma que o interesse seja mantido sem subestimá-lo no processo. Além dos pormenores científicos inerentes à perícia criminal, tema da série, é preciso equilibrar a personalidade do seu elenco de personagens enquanto os integra àquela situação. Fazer isso em ocasiões limitadas a cenas de crime e sequências dentro de um laboratório torna tudo ainda mais delicado. Foi a capacidade de evitar todos esses cacos de vidro no caminho que tornou essa série, ao menos em suas primeiras temporadas, tão brilhante.

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Inegável estrela de CSI, Grissom é um exemplo de que independente do que sua trama queira contar, é preciso ter um protagonista forte por si só. Desde os primórdios da série, o personagem de Petersen (um baita ator) rouba a cena por sua personalidade excêntrica e introvertida, mesmo sendo o supervisor de um órgão tão importante. Suas participações nos casos e suas interações com os demais personagens — a grande maioria, parte de sua equipe na trama — movem seus arcos e narrativa geral da série de forma que o público não queira assistir apenas um assassinato sendo solucionado, mas sim Grissom e sua equipe envolvidos naquele mistério. O mesmo se esperava dos personagens que assumem o protagonismo (e aqueles que passam a ganhar mais tempo de tela) após a saída do ator na nona temporada, mas isso nem sempre funcionou.

O vai e vem de atores é inevitável em séries tão longevas. CSI aprendeu isso da pior maneira quando perdeu Petersen: trouxe Laurence Fishburne, uma estrela do cinema de alto calibre, e não mediu esforços em seus roteiros para promovê-la. Mas Ray Langston, personagem de Fishburne, acabou rejeitado por uma parte significativa da audiência por alguns passos criativos em falso. Introduzido como um novato na perícia criminal, Langston passou a demonstrar uma autoridade na área incoerente ao seu desenvolvimento em poucos episódios, além de uma personalidade pouco compatível com outros personagens conhecidos do público e já bem estabelecidos. Num dos momentos mais delicados dos 15 anos de CSI, a equipe não conseguiu prever que sua base de fãs seria exigente sobre que personagem estaria na tela da suas TVs toda noite.

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Esse erro seria habilmente corrigido com a entrada do veterano Ted Danson como DB Russell na 12ª temporada, introduzido como um também veterano da perícia criminal e mais aberto a criar relações com os personagens amados pelos fãs. Da nona para a décima segunda temporada, porém, CSI já havia perdido mais de seis milhões de espectadores, fruto também do natural desgaste após tanto tempo no ar.

“CSI: Immortality” e o grande final

Você deve estar se perguntando a necessidade de tamanha digressão para falar sobre um series finale. Sendo bem honesto, “Immortality” é no máximo mediano, e não há grandes comentários a se fazer sobre a parte criativa da coisa. Apesar do retorno de uma personagem interessantíssima como Lady Heather (numa boa performance de Melinda Clarke), o especial parece mais um caso comum do dia a dia do laboratório criminal estendido por horas do que um evento grandioso. O brilho está no título desse texto: o retorno de personagens icônicos é o que chacoalha o encerramento de CSI.

Grissom, que naturalmente tem o maior destaque — acrescido pelo drama com Sara Sidle (Jorja Fox), sua ex-esposa —, rouba a cena em momentos nostálgicos envolvendo sua especialidade: a entomologia. Em suas falas públicas sobre a série, Petersen (também produtor) sempre deixa claro o cuidado que tem e teve com seu personagem e a direção para a qual o levam. Por mais que esse tenha sido o grande papel da sua carreira na TV, suas posições profissionais são sempre ponderadas nos momentos em que volta a interpretar o cientista¹. Isso, a equipe criativa entendeu bem.

O ativismo ambiental, as dificuldades de interação social (até mesmo com Sara) e a convicção que marcaram o antigo supervisor em tantas temporadas de CSI estão lá, para deleite dos fãs. Menos presentes, mas importantes para a trama, Brass e Catherine completam o carrossel da nostalgia que faz a alegria de um espectador do início dos anos 2000, desfalcado pela ausência muito sentida de George Eads, o icônico Nick Stokes.

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CSI não foi grandioso ou diferenciado em seu fim, mas foi certeiro a celebrar seu ponto forte: os grandes personagens. Carregar uma série com altos índices de audiência por mais de duas décadas, renovar o interesse por um tema em constante evolução junto à tecnologia e manter o frescor do imprevisível com tantas trocas no elenco é um privilégio de poucas obras. Parte dessas dificuldades fizeram seus spin offs, mais curtos, sangrarem no caminho. Mas o núcleo de Vegas equilibrou esses pratos com grandes atores, arcos bem escritos (sob altos e baixos) e por vezes em meio a crises de bastidores.

Se há algo do qual a série não pode ser acusada, é de não amar seus personagens (na maior parte do tempo, pelo menos). Às vezes até em excesso, como no caso de Ray. Se até o fim dos anos 90 qualquer executivo de TV duvidaria de um produto sobre perícia criminal, a série criada por Anthony E. Zuiker foi na base da narrativa buscar o que faz basicamente qualquer conceito ser possível aos olhos do espectador: personalidades magnéticas, que nos puxem para dentro de seus mundos e nos mostrem o que têm a dizer e viver. Eu poderia assistir à equipe de Gil Grissom desvendando seus casos para sempre.

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Observação¹: A série ganhou uma sequência com CSI: Vegas (2021), estrelando Jorja Fox e William Petersen em sua primeira temporada.

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