Através de uma diatribe em três partes, confira a dissecação da carreira de um dos diretores mais populares da atualidade. Nessa 1ª parte, estudamos o pano de fundo de seus filmes. Inicialmente ficções científicas, para mais tarde se parecerem mais com slices-of-life, até enfim vermos esses dois elementos se misturarem no triunfal Kimi no Na Wa.
Aviso: spoilers de Kimi no Na Wa (e de toda a filmografia de Makoto Shinkai…)
Makoto Shinkai é considerado, dada sua proeminência na última década, um dos melhores novos diretores da indústria dos animes. Com o estrondoso sucesso de Kimi no Na Wa, lançado em agosto de 2016 nos cinemas japoneses, Shinkai parece ter consolidado sua posição como tal. Seja devido à própria repercussão causada pelo filme, seja pelos valores de produção claramente mais altos do que em seus trabalhos anteriores, o fato é que o diretor mostra que evoluiu tecnicamente com Kimi no Na Wa. Shinkai parece estar se aprimorando ao longo de sua ainda curta carreira. Porém, com apenas 44 anos de idade, e 5 longa metragens no currículo, Shinkai merece mesmo todo o reconhecimento que tem recebido? O quanto desse reconhecimento é condizente com seus filmes, e o quanto não soa como um exagero? Em outras palavras, será que Makoto Shinkai não é, desde seu surgimento meteórico, um artista superestimado? Talvez haja uma dignidade em ser superestimado, afinal isso prova que sua arte deixa uma impressão forte o bastante nas pessoas; entretanto, pode ser que isso não seja uma tradução direta da capacidade de Shinkai como artista, e sim uma reverberação daquilo que o espectador médio (hiper)valoriza no seu trato cotidiano com a arte. Veremos se essa tese faz sentido analisando a carreira do diretor, dividindo-a em seus elementos mais recorrentes.
PARTE 1: FICÇÃO CIENTÍFICA E/OU CENÁRIOS COTIDIANOS COMO PANOS DE FUNDO

O homem, o mito, a lenda
Seu primeiro trabalho a obter alguma relevância foi Kanojo to Kanojo no Neko (She and Her Cat, 1999), um curta de 5 minutos, que chegou a receber premiações independentes. Contudo, foi apenas em 2002 que Makoto Shinkai de fato chamou atenção, inclusive no ocidente. A obra em questão é Hoshi no Koe (Voices of a Distant Star), filme de 20 minutos de duração, ambientado num futuro hipotético, onde a humanidade precisa atravessar grandes distâncias através do espaço na luta contra criaturas extraterrestres. Apesar de o background estar repleto de elementos comuns em ficções científicas, o enredo prefere trazer para o primeiro plano uma história de amor não realizado. Em Hoshi no Koe, uma jovem é convocada à missão espacial, e passará os próximos anos trocando mensagens de texto com seu amigo de infância, conforme a distância física entre ambos apenas aumenta. Os dois se amam, mas possivelmente nunca mais irão se reencontrar. Com essa premissa, Shinkai de certa forma começa a estabelecer seu estilo como artista, pois muitos desses símbolos se repetirão em obras futuras, pra bem ou pra mal. O mais característico desses símbolos talvez seja justamente o uso de sci-fi como pano de fundo para uma história simples sobre amor e distância. Entretanto, vale dizer que não é sempre que a ficção científica de Shinkai se mostra coesa ou mesmo lógica. Mas enfim…

Com Hoshi no Koe (2002), Shinkai não economiza no sci-fi
Se em Hoshi no Koe temos viagens espaciais e robôs gigantes, em Kumo no Mukou Yakusoku no Basho (The Place Promised in Our Early Days, 2004) conhecemos um fictício Japão dividido em dois durante a Guerra Fria. Abrangendo universos paralelos e um pouco de drama de guerra, o enredo lida com os conflitos entre três amigos ao longo de suas juventudes, conforme assumem uma importância cada vez maior na resolução da guerra.

A misteriosa “Torre” em Kumo no Mukou (2004): um sonho? Um outro universo?
Em 2007, Shinkai alcançou seu maior sucesso até então, com o melancólico Byousoku Go Senchimetoru (5 Centímetros Por Segundo). A trama envolve os encontros e desencontros de Takaki e Akari, jovens apaixonados aparentemente predestinados a serem separados pela vida. Nessa obra, Shinkai passa a se afastar ligeiramente da sua recorrente ambientação pautada em ficção científica, rumando para cenários mais urbanos e cotidianos. O máximo que temos de sci-fi aqui são algumas referências feitas pelos personagens, como a ambição de Takaki em trabalhar com exploração espacial, ou seus sonhos que parecem remeter a realidades paralelas. No mais, talvez a própria estrutura episódica do filme possa ser interpretada como se fossem diferentes universos, contudo isso não é confirmado de forma alguma, repousando no campo das teorias.

5 Centímetros Por Segundo (2007): sem viagem espacial, apenas belos cenários do dia-a-dia
Hoshi wo Ou Kodomo (Children Who Chase Lost Voices, 2011) é provavelmente a obra que mais diverge de tudo que Shinkai fez antes (e depois), podendo até mesmo ser vista como uma legítima crise de identidade… Confuso, de ritmo inconstante e com mais semelhanças ao Studio Ghibli do que possa ser confortável admitir, Hoshi wo Ou Kodomo não apresenta nenhum dos elementos de sci-fi reconhecíveis nos trabalhos anteriores de Shinkai, ou mesmo suas recentes investidas em cenários cotidianos. Na verdade, o pano de fundo aqui é quase todo fantástico, mágico, e até sobrenatural. É uma aventura clássica, com monstros de fábulas e cenários grandiosos. Se pelo menos essa premissa fosse bem executada…

Hoshi wo Ou Kodomo (2011): beleza sem nenhuma substância
Dois anos depois, Shinkai reencontra parte de sua inspiração e apresenta Kotonoha no Niwa (O Jardim das Palavras, 2013). Aqui, novamente, o sci-fi passa longe de ter alguma importância, nessa que talvez seja a obra de cunho mais prosaico do diretor: uma Tokyo cotidiana, personagens bastante mundanos, uma trama quase de slice-of-life. Tudo nesse filme é pautado somente na realidade, algo que vinha ganhando espaço na carreira de Shinkai até aqui. O tom de “vida urbana” presente em Jardim das Palavras chega a seu auge.

Qual das imagens é uma foto real? E qual delas é um cena de O Jardim das Palavras (2013), hein?
Após vários anos distante do sci-fi que ajudou a popularizar seu estilo, Shinkai volta às raízes com Kimi no Na Wa (Seu Nome, 2016). Talvez a obra mais sólida do diretor, e que vem quebrando recorde após recorde desde sua estreia, alcançando o primeiro lugar não apenas do myanimelist, mas também das bilheterias histórias do Japão e da China. O filme envolve dois personagens que inicialmente trocam de corpos entre si, para depois descobrirem que (spoiler alert) estão na verdade viajando no tempo ao fazê-lo. Isso sem contar com a destruição de uma cidade por um meteorito. Shinkai brinca com ficção científica como não fazia há tempos, e dá resultado: Kimi no Na Wa de fato é sua obra mais coerente, seja no roteiro redondinho, seja no aspecto visual que, como um todo, é bem orgânico. Essas duas características, infelizmente, nunca foram lá muito presentes nos trabalhos anteriores de Makoto Shinkai. De fato, a impressão que fica é que tudo que o diretor criou até Kimi no Na Wa não passou de tentativa-e-erro. Uma busca meio às cegas até, quem sabe, encontrar sua identidade autoral. E é possível que boa parte dessa identidade passe pelo suave equilíbrio entre sci-fi e cenários cotidianos, perfeitamente entrosados em Kimi no Na wa.

Kimi no Na Wa (2016): numa mesma cena, a queda de um meteorito e a vista urbana de Tokyo
Nesse filme, os panos de fundo de Shinkai enfim estão em sincronia, como nunca antes. Com isso, utilizarei as próximas partes para explorar justamente essa (pouco observada pelas pessoas) inconstância criativa na filmografia de Shinkai. Curta, compartilhe e comente sua opinião! E claro, fique ligado no Otaku Pós-Moderno pra não perder a segunda parte dessa diatribe!
Um comentário sobre “MAKOTO SHINKAI: UMA ANÁLISE FILMOGRÁFICA (PARTE 1 DE 3)”