Review Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda do Santuário

Um filme marcado por furos e escolhas erradas.


Adaptação fílmica ou adaptação cinematográfica é o uso, para a realização de um filme, de material real ou fictício que tenha sido previamente publicado como texto escrito, seja na forma de romance, conto, biografia, reportagem, peça teatral, quadrinhos, etc.
Wikipedia

Começo a review com essa definição porque parece que o fã de anime e mangá brasileiro não aprendeu com (o tenebroso) Dragonball Evolution(2009) que uma adaptação cinematográfica não vai seguir fielmente a obra original. Nesse caso em específico, menos ainda, já que Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda do Santuário(Saint Seiya: Legend of Sanctuary) se parece muito mais com uma adaptação do anime do que do mangá. Ou seja, temos uma adaptação da adaptação. Então, fica a dica: Se você quer ver a história original ou a saga do santuário exatamente do jeito que ela é, em detalhes, leia o mangá ou veja o anime. Não espere isso do filme ou julgue-o com base nisso. Dito isso, podemos começar.

Na época da exibição de Dragon Ball Z: Battle of Gods(2013) aqui no Brasil, confesso que fiquei apreensivo. Um insucesso do filme poderia acarretar no fim definitivo dos já poucos investimentos em anime no Brasil, prejudicando até o mercado de mangás, que vinha em alta. Felizmente, o filme foi tratado com carinho pela distribuidora(Diamond Films), com dublagem original, ampla exibição e um bom trabalho de marketing. Não dá pra inferir se foi graças ao pessoal mais nostálgico, aos fãs de anime e mangá(e da obra, em específico) ou o público infantil, o fato é que a nova aventura cinematográfica de Goku obteve bons resultados de bilheteria no Brasil, para meu alívio(e dos fãs). Talvez isso tenha feito a mesma Diamond Films investir no novo filme dos defensores de Athena. Com um volumoso trabalho de divulgação, o filme está em cartaz desde o dia 11 de setembro em diversas salas pelo Brasil.

O fato de serem disponibilizadas apenas cópias dubladas me desagradou um pouco. Particularmente, eu sempre opto por assistir à versão dublada de todo e qualquer produto da franquia dos cavaleiros, mas acho sempre bom ter a versão original à disposição do espectador. Ainda na dublagem, minha maior preocupação era que as vozes dos dubladores clássicos da série se encaixassem nos personagens do filme, já que eu soube de antemão que as personalidades e aparências de alguns deles foram alteradas. Felizmente, o elenco de dubladores da franquia tem seu peso e é muito competente. A dublagem, principalmente dos protagonistas, ficou ótima, nada a reclamar.

Adaptar o arco das 12 casas sem utilizar o início original da história dos cavaleiros não é tarefa fácil. É necessário que haja no mínimo um diálogo expositivo detalhado para justificar a devoção dos 5 cavaleiros de bronze a Athena, coisa que nem na obra original é feita com muito capricho. A primeira escolha errada do filme começa por aí. O bombardeio de informações sobre cosmo, Athena e cavaleiros fica meio sem pé nem cabeça. Somos obrigados a assumir que Mitsumasa Kido está morto(nada foi falado sobre isso no filme) e que os cavaleiros de bronze não têm qualquer resistência a proteger uma garota desconhecida que dizem ser uma deusa.

Os quatro(ou cinco) cavaleiros de bronze

De cara, já se nota uma mudança na personalidade de Seiya. Mais próximo do mangá, o cavaleiro de pégaso está mais brincalhão e galhofa do que estamos acostumados. Pode-se dizer que as personalidades de Hyoga e Shun ficaram intactas, enquanto Shiryu ficou um pouco mais marrento do que o de costume, mas nada muito diferente do personagem original. O criticado design dos personagens me agradou, mas esse ponto é mais pessoal. As armaduras saindo de plaquinhas(no caso das de ouro, placonas) lembram a polêmica da série Saint Seiya Omega, mas funcionam bem, apesar das cenas de slow motion totalmente exageradas de quando os cavaleiros as vestem. As armaduras, aliás, são bem mais bonitas(e fazem barulho!)do que as do anime e do mangá(O CG ajuda muito), além de serem mais lógicas, com elmos que viram capacetes fechados e protegem os rostos dos cavaleiros. Voltando personagens, Ikki chega a ser mencionado, mas obviamente não aparece junto aos quatro. A apresentação dos protagonistas foi bem satisfatória e deixou claro o desejo de modernizar e aproximar a história do público infantil, ponto que eu ainda vou retomar mais à frente.

O santuário

O santuário é apresentado como uma “dimensão paralela”, acessível somente com as armaduras, o que eu achei bem legal, já que “conserta” a tosqueira da obra original, onde um santuário cheio de maníacos com poderes perigosíssimos pra humanidade nunca despertou a curiosidade de ninguém e opera na Grécia normalmente. Essa também é uma das partes mais bonitas visualmente do filme. Toda a composição do santuário cria a impressão de imponência que o local deve ter. Os 4 cavaleiros(junto a Saori) entram no local depois de serem desafiados por Aioria, caso semelhante ao mangá original. Lá eles descobrem que o buraco aberto pela flecha do cavaleiro de Sagita no peito de Saori está drenando(sabe-se lá como) o cosmo da deusa para o grande mestre. Meio tosco, mas coloca um pouco mais de impacto na corrida das 12 casas, não é uma simples flecha de prata que demora a matar alguém(por algum motivo).

Mu, Dohko, Aldebaran e o sétimo sentido

As passagens pelas casas de áries e touro são semelhantes às da obra original. Só que mais duas escolhas erradas fazem o roteiro derrapar mais uma vez: A primeira é a citação de que “o cavaleiro de libra é o mestre de Shiryu”. Isso seria bem normal se eles pelo menos voltassem a citar o cavaleiro de libra na história. A casa de libra, mais na frente, é sumariamente pulada e nada mais se fala sobre ela e seu cavaleiro. Uma explicação de 30 segundos(sem necessidade de animação)sobre o mestre ancião resolveria isso sem problemas. Vai entender.

O segundo problema é a inserção rasa do conceito de sétimo sentido, feita por Mu. Quem não conhece a obra original é obrigado a assumir que o sétimo sentido é uma espécie de “cosmo elevado”, diferente do conceito original. Até aí tudo bem, desde que eles trabalhassem o próprio conceito. Mas não, o sétimo sentido só volta a ser abordado na batalha final do filme. Fica parecendo até que esqueceram do conceito que introduziram e só lembraram no final.

Na casa de touro, Shiryu ainda cita que “Seiya sempre se levanta mais forte depois que cai”, ou algo assim. Uma pena que não tenham mais utilizado esse que é um dos elementos principais da obra original: a perseverança, o cair e levantar.

O caso Máscara da Morte

Pulando também a casa de gêmeos(mesmo que Saga “estivesse” morto, o fato da casa não ser mostrada nem vazia foi uma tremenda bola fora), tivemos o curioso caso da casa de câncer. Lá em cima eu falei da provável intenção de suavizar e aproximar o filme do público mais infantil, e o Máscara da Morte do filme me parece a síntese disso. Como deixar mais leve um cara que mata pessoas(inclusive crianças) e prende os rostos delas nas paredes e no chão? É claro, fazendo um número musical envolvendo os cadáveres piscando e cantando! Sério, além de bizarro, isso saiu TOTALMENTE do clima. A personalidade meio “Jack Sparrow” já bastava, já deixava o personagem mais leve. Pesaram demais a mão e acabaram tornando esse o momento mais aleatório do filme. Depois disso, ainda houve a batalha dele contra Shiryu nas portas do inferno, local que poderia ter sido evitado, já que a intenção era suavizar o personagem. Um show de contradições.

Hyoga x Camus

Um dos momentos que tinha grande potencial de ser bem utilizado acabou resumido em minutos, de forma totalmente superficial. Foi meio inútil passar a informação de que Camus foi mestre de Hyoga se a luta seria tão rápida e quase sem sentimento envolvido. Essa parte me deixou particularmente decepcionado, até porque Hyoga é um dos únicos que carrega um significativo background no arco das 12 casas. Não tinha tempo pra introduzir esse passado no filme? Tudo bem, mas era preferível que omitissem o fato dele ter sido discípulo de Camus, ou então que trabalhassem o mínimo da relação dos dois. Trazer informação da obra original pela metade foi mais uma péssima escolha.

Shun, Ikki e os cavaleiros de ouro subaproveitados

Com o ritmo extremamente corrido do filme, sobrou pra Shaka, Shura, Afrodite e Miro(a mulher) a menor parcela de tempo de aparição no filme. Shaka, que é um personagem com ótimas possibilidadades pra história, acabou servindo apenas pra encerrar a(boa e bem animada) luta entre Seiya e Aioria(controlado por Saga). Shura ensaiou lutas contra Shun e Ikki que não empolgaram. Aliás, os dois irmãos foram muito mal aproveitados: Enquanto Shun ainda teve lá seu destaque como um dos 4 protagonistas, Ikki pouco apareceu, apenas soltando uma ou outra frase de efeito no início e no fim do filme(Ok, ele matou o cavaleiro de sagita), ficando no chão a maior parte do tempo. A relação dos dois foi apenas sondada, assim como a postura de evitar lutas de Shun.

Apresentar Miro como mulher reafirma a intenção da Toei em inserir amazonas entre os cavaleiros de ouro, como já havia feito em Omega. Não achei uma má escolha, a personagem ficou bem interessante e a animação do pequeno embate dela com Seiya ficou muito bonita. Só estranhei manterem o nome de Miro. Mudar o nome seria uma opção um pouco mais radical, mas talvez desvencilhasse a personagem do Miro original e tirasse o foco das comparações.

Afrodite foi morto por Saga numa situação que achei até interessante, quando o cavaleiro de peixes(bonzinho no filme) questionava as ordens do mestre. O problema mesmo foi ter que engolir uma morte, um descarte de um cavaleiro de ouro de forma tão rápida e tosca(com um golpe).

Para fechar com chave de ouro(sem trocadilhos), os cavaleiros de ouro inexplicavelmente resolvem se concentrar TODOS ao mesmo tempo pra lutar contra uma estátua de pedra trazida à vida por Saga como desculpa esfarrapada de roteiro para Seiya lutar sozinho contra Saga, que naquela altura, já tinha se revelado como o sendo o grande mestre.

Saga e a batalha final

A batalha final é esteticamente muito bonita e bem animada. Os golpes de Saga são reimaginados e apresentados com uma forma visual bem diferente da que estamos acostumados. Cabe citar também o trabalho como sempre muito bom de Gilberto Baroli com a voz do cavaleiro de gêmeos. Temos uma última bizarrice exagerada, quando Saga entra numa espécie de “megazord”, pra logo ser derrotado por Seiya vestindo a armadura de sagitário(aliás, vestindo da forma que eu sempre quis que fosse – com as patas de trás no lugar certo) e ajudado por Saori. A sequência final do filme é bem legal, com Athena discursando para o Santuário sobre ganância e poder junto a um flashback mostrando Saga se arrependendo do que fez, instantes antes de morrer. Achei tão bom quanto o final da saga do santuário na obra original. Nos créditos finais, as armaduras sendo mostradas lembram o costume de Kurumada de soltar ilustrações das armaduras nos encadernados dos mangás. Infelizmente, não fiquei pra cena pós-creditos. )=

Conclusão

Escorregadas feias de roteiro, escolhas erradas e o pouco tempo para muito material a ser adaptado fizeram de Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda do Santuário um filme bem fraco. A superficialidade com que são tratados os atos do filme, principalmente do meio pro final, acaba por não deixar um novo público se apegar ao filme. Quem vai assistir sem conhecer o mínimo da obra, sai da sala de cinema com vários questionamentos e em muitos casos, não entendendo boa parte do filme. Os fãs mais antigos também saem decepcionados pela falta de cuidado com os elementos da obra original que são jogados sem coerência e(ou) desenvolvimento no filme. Enfim, pra quem gosta da franquia, vale dar uma olhada no filme, até pra ajudar na bilheteria e em novas iniciativas futuras na área, mas eu não recomendaria ir ao cinema esperando um filmaço ou tentar introduzir alguém a Os Cavaleiros do Zodíaco começando por esse filme.

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