Miyazaki é quase sempre polêmico, mas fazer o quê se ele quase sempre tem razão no que diz? Vamos dar uma olhada na temporada atual de animes sob uma perspectiva miyazakiana?
“Veja bem, você ser capaz ou não de desenhar assim, ser capaz de elaborar esse tipo de design, isso depende se você pode ou não dizer a si mesmo, ‘Ah, sim, garotas assim existem na vida real.’”
“Se você não passar algum tempo observando pessoas reais, você não consegue fazer isso, pois você nunca viu isso.”
“Algumas pessoas passam suas vidas interessadas somente nelas mesmas.”
“Praticamente toda animação japonesa é produzida com quase nenhuma base tomada em se observar pessoas reais, sabia?”
“São produzidos por humanos que não toleram olhar para outros humanos.”
“E é por isso que a indústria está tomada por otakus!”
Acima, transcrevi trechos de uma entrevista com Hayao Miyazaki. Infelizmente, não é possível encontrá-la na íntegra em inglês; e já que esse trecho é tudo o que há para nós ocidentais, pelo menos o traduzi para português.
Como podemos ver, o diretor é categórico ao dizer que os novatos da indústria possuem pouca experiência com a vida real, com pessoas reais, e trazem para sua profissão experiências derivativas somente; ou seja, experiências com animes. A criatividade dos novos animadores, ou falta dela, é um assunto recorrente nos últimos tempos. E Miyazaki não hesita em seu julgamento.
É compreensível. O diretor expressa a preocupação de quem dedicou toda uma carreira a tocar as pessoas, se aproximar delas através de suas obras, visto que em outras entrevistas o mesmo já afirmou que foi muito solitário em sua juventude. Contudo, nessa outra entrevista, extraímos a noção de que Miyazaki, apesar de solitário, pelo menos não chegou a ser excluído ou sofrer bullying – coisas infelizes mas corriqueiras. Ao contrário, Miyazaki era inclusive bem quisto na escola, sendo aceito pelos colegas porque “desenhava bem”. E apesar da pequena redenção que sua habilidade lhe garantia, Miyazaki talvez não tivesse amigos próximos, muito menos uma namorada. E aí surge a arte: nesses tempos de solidão, Miyazaki descobre, nos cinemas, a animação Hakujaden (1958). Com um enredo simplista e com méritos artísticos que o próprio Miyazaki considera questionáveis (ambos cortesia da boa e velha Toei Animation), o principal apelo de Hakujaden é seu papel histórico, em duas vertentes diferentes. Na primeira, me refiro à história da animação japonesa em si, já que Hakujaden foi o primeiro longa-metragem japonês colorido. A segunda vertente histórica a se considerar se refere ao próprio Miyazaki, sua história pessoal. Explico: a personagem feminina central de Hakujaden é Bai-Niang, por quem Miyazaki se sentia, nas palavras dele mesmo, apaixonado; “Bai-Niang se tornou uma namorada substituta para mim, numa época em que eu não tinha uma”. Sim, caro leitor, além de criar obras-primas eternas em seu Studio Ghibli, o diretor ainda teve tempo de criar o conceito de waifu. Respeito, Miyazaki. Respeito.

Bai-Niang: a prova de que Miyazaki sempre teve bom gosto
De certa maneira, o impacto que Hakujaden e sua waifu Bai-Niang causaram no espírito de Miyazaki podem nos dar uma indicação sobre o tipo de filme que o diretor irá produzir ao longo de sua carreira: narrativas estruturadas como fábulas, ocorrendo em mundos fantásticos, e com figuras femininas fortes, geralmente no papel de protagonistas. A nuance irônica que podemos observar na fala de Miyazaki, sobre os profissionais atuais da indústria serem otaku demais para seu próprio bem, se incrusta no fato de que ele mesmo, Miyazaki, quando jovem, foi um desses profissionais a pautar-se em experiências “virtuais” ao invés das “reais”. No entanto, e aqui minha alusão perde a força, me parece que a paixonite de Miyazaki por Bai-Niang funcionou meramente como uma faísca, um empurrão inicial. Afinal, o comentário do diretor diz respeito a artistas que vivem exclusivamente em mundos ficcionais – algo que temos, com certa margem de erro, como um fenômeno populacional verídico no Japão. NEETs e Hikikomoris… existem. Existem e preocupam. É assunto sério, tratado e estudado por gente séria em empresas, universidades e no governo japonês.
O paralelo que faço entre a fala de Miyazaki e o anime Re:Creators, uma das grandes estreias da atual temporada, se dá na construção metalinguística desta obra. Sua história se passa nos dias atuais, e nos mostra o choque do escritor e ilustrador Souta ao ser transportado repentinamente para o universo de um anime e trazido de volta para a realidade em instantes. O problema é que Celestia, personagem do anime que Souta assitia inocentemente, vem parar no mundo real junto dele. Para piorar, outros incontáveis personagens fictícios têm sido misteriosamente trazidos para nosso mundo, e a missão de Souta e Celestia será descobrir como e porque isso tem ocorrido. Re:Creators, como obra de ficção, baseia-se amplamente na existência de outra(s) ficção(ões) dentro de seu enredo, nos oferecendo uma trama que opera com novas tramas internas à ela. Re:Creators, em sua intrincada proposta, se apresenta ao espectador como uma cebola: camadas dentro de camadas dentro de camadas, num exercício metalinguístico (até aqui) bastante consistente. Tendo a entrevista de Miyazaki como base, podemos pensar que os temores do diretor já são, como o perdão do trocadilho, uma realidade. É só uma questão de interpretar Re:Creators como uma releitura da época atual, em que personagens fictícios estão literalmente presentes em nossas vidas e em nossas percepções sobre o mundo. Re:Creators apenas avança um passo nesse sentido, e torna as coisas um tanto mais metafísicas.

Quando foi a última vez que uma espadachim de anime tentou te matar?
A meu ver, a questão levantada por Miyazaki acusa implicitamente um trejeito social japonês (e mundial) – uma, digamos, predileção por pessoas em 2D e não em 3D; e, em casos mais extremos, os NEETs –, mas também a implicação disso para uma indústria cujo alicerce é a criatividade. Indo além, me parece que Miyazaki se preocupa não apenas com a indústria da animação japonesa e sua restrita abrangência. Ele se preocupa com arte. E caso o óbvio precise ser dito, a arte (sobre)vive de artistas. Se por um acaso os artistas do nosso século se tornam pessoas fechadas em suas próprias mentes e se interessam cada vez menos pela humanidade, quem sofre são as obras que eles produzem. E nós, é claro, que as consumimos.
Assim, um possível problema em Re:Creators, e ainda assim imediatamente criticado pelo próprio anime, se refere ao que citei acima, a “restrita abrangência” dos animes como forma de arte. Convenhamos, caro leitor. Animes e mangás são mídia de nicho, e que se ramificam em nichos mais e mais específicos, como yuri e yaoi, por exemplo. Como não imagino que Miyazaki seja um grande filantropo, um altruísta benevolente, preocupado com causas humanitárias, tenho a impressão de que a pulga atrás da orelha do diretor não esteja relacionada à qualidade da alma dos artistas envolvidos na indústria, e sim relacionada à qualidade da arte por eles gerada. Teme-se, aqui, a possibilidade da cultura otaku se fechar cada vez mais em torno de si mesma. Pois se parte da identidade do otaku é fruto de sua marginalidade, e nesse quesito Otaku no Video é consumo obrigatório, então um artista marginal que apenas consome arte marginal se torna, sem dúvidas, um artista menor.
Quanto a Otaku no Video, trata-se de um filme do estúdio Gainax que possui tons de manifesto, no melhor dos sentidos. Quando de seu lançamento, em 1991, a denominação “otaku” lentamente ia perdendo seu teor pejorativo; e a obra nos transmite a afirmação de uma identidade, sem contar com o registro comportamental de uma década. Transgressor, como toda obra do tipo deve ser, Otaku no Video é o marco histórico da consolidação de uma cultura – ou subcultura, ou subdivisão da amálgama da cultura pop global.

É sério, assista Otaku no Video!
Voltando a Re:Creators, penso que sua apreciação está diretamente ligada à familiaridade do espectador à cultura otaku. O protagonista da obra sonha em escrever e ilustrar light novels, há também uma personagem de mahou shoujo com cabelos cor-de-rosa, um piloto de mecha, um antagonista de mangá, e assim por diante. Ainda assim, apesar da linguagem e dos tropes típicos de animes e mangás, imagino que Re:Creators não seja tão excludente ao público geral quanto possa parecer. Tirando alguns excessos e arquétipos exagerados, o anime pode até servir, dependendo de seu alvo, como porta de entrada ao universo otaku. Por quê não? Shingeki no Kyojin, em meio a suas notáveis particularidades, representa o grande convite aos não-otakus na atual década. Há obras, por outro lado, e talvez resida nesse ponto a preocupação de Miyazaki, que parecem ser propositadamente excludentes. Produtos de otaku para otaku, e que se mostram de difícil acesso para o público externo.

Shingeki no Kyojin: dirigido por Michael Bay, estrelado por Dwayne “The Rock” Johnson
Na atual temporada, temos o caso de Renai Boukun, que começa como uma paródia declarada a Death Note, e no decorrer dos episódios se torna uma paródia a gêneros inteiros, como comédias românticas, ecchis, haréns no geral, entre outros. Diabos, chega uma hora que Renai Boukun ironiza até mesmo Renai Boukun – ou será que isso estava acontecendo desde o primeiro minuto e eu não notei? Dokuro-chan, uma década antes do “Death Note do amor”, também divertia atirando para todos os lados, com sua comédia de referência, absurda e incontida. Há também Eromanga Sensei, que utiliza narrativamente os estereotípicos e estereotipados sonhos incestuosos entre um otaku e sua “irmãzinha-loli-como-é-possível-ela-ser-tão-fofa?”, ao mesmo tempo exaltando e parodiando esses já velhos clichês. Alguns anos atrás, Oreimo surgia com a mesmíssima proposta pretensamente subversiva. Re:Creators, com todos os seus méritos e criativos recursos em termos de storytelling, nos remete bastante ao que fez Fate/Zero no início da década (não à toa, o mesmo diretor foi escalado em ambos). E pensando melhor, Fate como um todo nos forneceu, há uns quase 15 anos, uma história que abusa de histórias internas (com maior ou menor grau de veracidade com relação ao nosso mundo; vai da tolerância de cada um…). Tal qual Re:Creators.

Renai Boukun: cretino na medida certa!
O que quero dizer com os exemplos acima é que, apesar de ser bastante natural e compreensível uma corrente artística reutilizar seus temas e motivos, e fórmulas bensucedidas servirem de inspiração a novas narrativas, há sempre um perigo à espreita. No caso, Miyazaki parece estar atento a esse perigo. Afinal, uma indústria que se limita a repetir a si mesma, conforme se isola de outras possibilidades, tende a se enrijecer, e perder a capacidade de comunicar algo além de gritos tribais identitários. Oras, você não ouve música exclusivamente para aplacar a ansiedade e reafirmar a noção de quem você é, certo? Certo? Música é uma expressão subjetiva, através da qual podemos intuir novas identidades para nós mesmos, conforme nossos sentimentos fluem imprevisivelmente segundo o tempo. E animes, como música, como qualquer forma de arte, não deveriam seguir orientação semelhante?
Considere outros exemplos: de quê maneira enigmática Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu é capaz de emocionar até o espectador que não entende absolutamente nada de rakugo? Como Macross pode ser tão comovente inclusive para o público alheio a sci-fi, mechas e idols? Por quê Hibike! Euphonium bota homem crescido pra chorar (sendo que bandas escolares são uma experiência que quase ninguém vive)? É simples. A fórmula, a “aparência” dessas obras pouco importa; o que importa, o que nos toca, é humanidade. É transmitir sentimentos legítimos. Vaidosos como somos, é a humanidade de uma obra de arte que irá mexer com nossa humanidade interna. E isso é lindo, caro leitor.

Hibike! Euphonium: quem disser que eu chorei como uma garotinha tá mentindo
Portanto, o perigo previsto por Miyazaki vai além das maneiras como os animes preservam seu status de nicho. Mesmo porque, é realmente válido mensurar arte? Meus pais nem saberiam por onde começar a entender Renai Boukun; entretanto, o público-alvo do “Death Note do amor” sente-se irremediavelmente abraçado pela obra. Quem entende as piadas de Renai Boukun sente-se recompensado, já que elas são de fato criativas. Sem contar que, seja consciente ou inconsciente, sentir que você faz parte da minoria da minoria da minoria, a insular parcela da população mundial que entenderá o humor de Renai Boukun, representa um troféu por si só. O sentimento é de que cada piada foi escrita especificamente para você, ávido assistidor de animes e sábio entendedor de referências. Assim, é realmente uma “arte menor” aquela que emociona muito um grupo pequeno de pessoas, e soa completamente insondável para quem não pertence a esse grupo? Arte não deveria ser abrangente, aplicável a qualquer ser humano, em qualquer época e qualquer lugar? Bem, se isso fosse verdade, ignoraríamos a função da cultura. Cairíamos na maior das contradições.
No fim das contas, o nicho do nicho, que se encerra e se reduz cada vez mais, ainda é um processo francamente humano. O risco, como prevê Miyazaki em tão singela colocação, é que a perda de tato com a realidade transforme determinado público marginal em marginais além do limite saudável. Ou seja, surgiria um cenário em que otakus apenas entendem a linguagem otaku, e nenhuma outra; enquanto não-otakus jamais encontrariam um ponto de entrada, uma brecha para, eles próprios, se engajarem no interesse por animes e mangás e se tornarem novos otakus. A marginalização característica, identitária do otaku, o isolaria do contato com outras formas de arte, e portanto com pessoas fora desse nicho. Nesse sentido, seria o teor cômico, por exemplo, de Renai Boukun e Eromanga Sensei, um teor cômico autoconsciente? Ou seja, a obra estaria tirando um sarro e não levando tão a sério apenas os animes do gênero ou também os espectadores desse animes? Talvez a solução para o medo de Miyazaki advenha da capacidade de rir de si mesmo, ter a autoconsciência de perceber que desenhos japoneses são apenas desenhos japoneses. Há sim uma rica e antiga cultura os envolvendo. Mas há tanto mais no mundo… Não nos limitemos, caro leitor. Eu quero muito sonhar que a proposta verdadeira de um Renai Boukun ou de um Eromanga Sensei seja justamente essa: estou rindo da sua cara, otaku; mas ria comigo. Afinal, eu sei que há casos de isolamento social bastante sérios, principalmente no Japão; mas há momentos em que sinto que, pra maioria dos casos, uma cabeça aberta e um pouco de coragem para se arriscar, e sair do seu conforto, podem te conduzir a lugares mais elevados – em termos artísticos e não artísticos.
Texto bem interessante, principalmente para mim que estou listando quais animes assistirei dessa temporada que está terminando (sim, em vez de acompanhar semanalmente igual ditam as regras-para-blogueiros-otakus, espero as seasons chegarem ao fim para maratonear).
Bacana o blog. Já havia visto algumas coisas postadas em um grupo de Facebook, mas acompanharei com mais afinco daqui pra frente.
Curioso cara, eu faço a mesma coisa. Na verdade, vejo uma estreia ou outra, às vezes os primeiros episódios de algumas séries, mas puramente por causa do blog. Não suporto acompanhar semana a semana.
Seja bem-vindo por esses lados man \o/
Post muito bom!
Apesar de já saber o que você disse, ao ver outra pessoa falando isso, me fez fazer uma reflexão crítica sobre mim mesmo.
Eu me envolvi tanto com o universo do animê/mangá (e aqui entra, obviamente, a cultura japonesa), que isso se tornou uma relação de amor. De modo que, outras formas de arte, não me despertam interesse, raramente assisto um filme, e tem tempo que li um livro (leio muitos textos científicos, livros teóricos, livros de filosofia, mas literatura, tem muito tempo que não pego um). E, realmente, isso é um problema que implica em 2 consequências: 1 – limita os assuntos que eu tenho com os outros (já que animê/mangá é nicho), e sabemos muito bem da importância que as produções culturais tem na socialização; 2 – limita meus conhecimentos, já que diversidade é extremamente relevante para desenvolver a mente.
Vou me forçar a consumir outros tipos de produção, mesmo que em escala muito menor que animê/mangá, mas é algo importante, e que precisa ser feito.
Agradeço pela postagem, por ter provocado toda essa autocrítica ^^
Fora que, ao ter contato com outras formas de arte, você ganha uma nova perspectiva quando retorna aos animes e mangás.
Exemplo: depois de estudar um pouco o expressionismo alemão e assistir alguns filmes da época, passei a sentir uma apreciação renovada por Death Note, pois ficou nítido pra mim que o anime visualmente se inspira bastante nesse movimento.
Enfim, bom saber que te provoquei cara. A intenção era essa mesmo!
Verdade.
Como estudei sobre vários ramos da arte, na faculdade, também percebo isso.
A montagem de Evangelion tem muito de Eisenstein, por exemplo.
Aprendi certas coisas porque a faculdade obrigava, mas sempre soube que eram relevantes, apesar de assistir os filmes praguejando contra a professora xD
No primeiro momento, vou ver/ler me obrigando mesmo, mas com o tempo, creio que vou acabar achando conteúdos que me interessem.
A verdade é que, como você disse no texto, se nós, “otakus” (não gosto desse termo, mas vou usar para facilitar), não sairmos do nicho, vamos acabar isolados. E “sair do nicho” significa ter abertura para ler/ver produções que os “não-otakus” apreciam.
Falando assim parece bobeira, né? Mas nosso tempo é tão precioso, ainda mais o de lazer, que quando estou vendo/lendo algo que não é animê/mangá, sinto que estou perdendo tempo. Contudo, não quero ficar isolado, quero socializar também, e existem ótimas obras fora do nosso universo…
Enfim, parabéns, sua intenção foi realizada com sucesso o/
Evangelion e Eisenstein(!!!), não tinha pensado nisso. Rapaz, dá pra escrever um texto sobre isso, não dá não? Sobre como a montagem na primeira luta do Shinji sugere um tempo psicológico maior, quando na real ele entra em modo berserk e estraçalha o angel em o quê? Um minuto? hehehe
Eu não ligo tanto pro nome ‘otaku’, nem pra nenhum outro nome. Rótulos existem, fazer o quê. O problema é se deixar levar por eles, confiar demais na sombra das palavras… Até nisso é bom sair do nicho, já que ficar preso nos duzentos animes que surgem do vácuo a cada três meses pode enlouquecer qualquer um. Andei me desligando de alguns canais do youtube cara, saindo de grupos no face, etc. Concordo contigo, tempo é precioso e é preciso variar de vez em quando.
Acho que dá, sim. Evangelion é tão incrível, que é possível fazer milhões de análises sobre ele.
A maioria das pessoas gostam de se rotular, deve ser porque isso facilita na formação da identidade, e promove a inserção em grupos.
Eu odeio rótulos porque quando você coloca “sou otaku”, as pessoas vão atribuir a você todas as características que os otakus, na visão delas, têm. E ser otaku envolve vários elementos, muito além de simplesmente apreciar animê/mangá, e várias dessas características, eu não tenho. Logo, não sou otaku.
Eu sempre fujo de rótulos. Você dizer para alguém “sou apreciador de animê/mangá” é completamente diferente de dizer “sou otaku”. Na cabeça dessa pessoa, ela logo vai entender que você não se sente pertencente ao grupo dos otakus.
O problema é que usar o termo otaku é muito mais fácil, tanto para mim, que escrevo, quanto para o outro, que lê. Por isso eu acabo usando essa palavra, e colocando um parênteses.
Aliás, isso que você citou é uma caraterística dos otakus: viver só dentro do nicho otaku. O que implica, como você disse, ter que acompanhar os lançamentos de animê. Acho interessante que tem gente que vê só por ver mesmo, entende? Ele nem gosta daquele animê, mas ele assiste porque “precisa”, para poder falar sobre.
Tem gente com 1000 animês assistidos no MAL, sendo que 950 tem nota abaixo de 5,0.
P.S. Não usei o “responder” porque no seu comentário não apareceu essa opção aqui =/
É então, mas pensando que um rótulo é só uma aproximação, já que mesmo que você faça TUDO que manda o figurino em termos de identidade otaku, você ainda não poderia ser reduzido em tal identidade. É impossível, porque a subjetividade do homem não se encaixa nesses moldes, nesses estereótipos. Logo, ninguém é nada. Quem diz que é, quem insiste que é, tá negando a si mesmo… Aí vira o goku da novela kkkkk
Se definir como otaku, pra mim, é criar um atalho, que nem você falou. É literalmente direcionar sua voz pros ouvidos certos, e se comunicar com os outros. Mesmo que no fundo eu não bote fé que sou otaku de carteirinha porque nem mesmo me sinto um humano de carteirinha.
Quanto à galera que assiste anime pra listar no MAL e ficar em dia com o IntoxiAnime, eu penso que falta um pouco de Macross na vida deles, ver coisa véia pra relativizar melhor esse excesso de coisa nova.
O que acontece é que a pessoa força para entrar cada vez mais no estereótipo, para ficar mais “fiel” aquele rótulo que ela quer ter. Isso significa que muitos acabam suprimindo suas opiniões/gostos/vontades para poder se enquadra no rótulo, e no grupo.
Mas, geralmente, as pessoas não têm apenas um rótulo, elas possuem vários. É como se ela fosse colando vários botons (de otaku, de rockeiro, de sambista, de torcedor de futebol…) em si mesmo.
O problema é que toda palavra carrega consigo uma carga, uma cadeia simbólica. E eu não quero que a carga do otaku seja colocada em mim, até porque, eu não me encaixo no “ser otaku”. A única coisa que tenho em comum com otakus é o amor por animê/mangá/Japão. E o “ser otaku” é muito maior do que isso.
Além disso, tem o problema do estereótipo. A sociedade tem uma visão sobre o que é um otaku, que independente dela estar certa, ou errada, é a visão que terão sobre você caso diga que é um otaku.
Sobre o pessoal que assiste anime pra listar no MAL: eu acho que elas precisam deixar de “ser otaku”. Porque assim, as obrigações que ela precisa cumprir para se enquadrar no grupo, acabam. Animê/mangá é hobby, é para ser agradável, de ruim já basta a vida real e suas rotinas.
Concordo com você, falta animê antigo na vida desse pessoal. Aquela trilogia de movies de Gundam (que compila a primeira série) iria fazer um bem danado.